A pandemia do COVID-19 colocou em xeque a própria realização das eleições municipais de 2020.
Considerando que a data das eleições municipais está prevista tanto na Constituição Federal (art. 29, II) quanto na Lei n.º 9.504/97 (art. 1º), seria necessário aprovar tanto uma Proposta de Emenda à Constituição quanto alterar a legislação federal para que o pleito pudesse ser postergado.
Há, ainda, a problemática do princípio da anualidade eleitoral, previsto no art. 16 da Constituição Federal, segundo o qual “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
Apesar das discussões travadas e das diversas opiniões doutrinárias em sentidos opostos, não há nenhuma deliberação definitiva neste momento, mesmo porque os desdobramentos do Coronavírus são incertos.
Contudo, o Tribunal Superior Eleitoral já deu indícios de que, a princípio, tanto a eleição quanto as demais datas do calendário eleitoral serão mantidas. Afirmou-se, por exemplo, não ser possível modificar a data final para filiação ao partido político (4 de abril), já que se trata de prazo previsto em legislação federal, necessitando de alteração da norma legal para sua modificação.
O futuro Ministro Presidente do TSE, Roberto Barroso, também foi enfático ao afirmar que, por ora, não cogita o adiamento do pleito, ressaltando, contudo, que cabe ao Congresso Nacional tal deliberação.
Por outro lado, o atual Ministro da Saúde defendeu o adiamento das eleições, inclusive para evitar “ações políticas” que possam prejudicar o combate ao vírus. O Deputado Federal Aécio Neves, por sua vez, apresentou uma PEC objetivando o adiamento do pleito para 2022, unificando as eleições gerais e municipais. Tal opção, inevitavelmente, prorrogaria os atuais mandatos de prefeitos e vereadores.
Contudo, à luz da legislação atual e ressalvada a edição de atos que a alterem ou mesmo posterguem o pleito, é necessário debater, neste momento, qual a interferência do surto do COVID-19 nas eleições 2020, sobretudo sob o prisma das condutas vedadas aos agentes públicos em época de campanha.
Mediante o Decreto Legislativo nº 06/2020 foi reconhecido estado de calamidade pública no país. Antes, contudo, a Portaria n.º 188/2020 já havia declarado Emergência em Saúde Pública de importância Nacional em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV).
Nesse contexto, de pronto, verifica-se a existência da exceção “calamidade pública” a duas condutas vedadas descritas no art. 73 da Lei n.º 9.504/97, permitindo-se, portanto, a realização de transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios nos três meses que antecedem o pleito, assim como a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública.
Alguns Municípios, inclusive, para atender os anseios da população e mitigar prejuízos da pandemia, estão concedendo benefícios como prorrogação do prazo de pagamento de IPTU e INSS, a exemplo da cidade de Cariacica/ES.
Há precedentes da Justiça Eleitoral flexibilizando regras proibitivas durante situações de emergência ou calamidade pública.
O TSE já entendeu que a “distribuição de cestas básicas no mês de abril em período coincidente com a declaração de estado de calamidade no município em razão de enchentes” não caracterizaria irregularidade (RESPE n.º 5410280). Ainda, já admitiu “ser possível, em ano de eleição, a realização de doação de pescados ou de produtos perecíveis quando justificada nas situações de calamidade pública” (Consulta n.º 5639). Também afastou a caracterização de conduta vedada por “programa assistencialista temporário criado durante as cheias do Rio Xingu, no Pará, em 2012” (RESPE n.º 79973).
Contudo, os agentes públicos também devem agir com razoabilidade na adoção de medidas durante a atual crise, evitando a promoção pessoal com atos assistencialistas. Mesmo em situação de emergência, a Justiça Eleitoral deve investigar situações de abuso de poder, consistentes no auxílio para além do necessário, com fins exclusivamente políticos.
Como a pandemia do COVID-19 é algo inédito e sem precedentes na história da Justiça Eleitoral, as regras eleitorais, no contexto da atuação de agentes públicos frente à situação emergencial devem ser flexibilizadas, não excluindo a hipótese de sancionamento nos casos em que forem verificadas práticas abusivas.