Tecnologias sofisticadas que surgem para facilitar, agilizar e baratear campanhas, também podem configurar ilícitos e levar à cassação de mandatos.
O uso da internet em campanhas eleitorais é regulamentado oficialmente há 15 anos (Lei n.º 12.034/2009). Contudo, se antes as mudanças no ambiente virtual eram gradativas, hoje são diárias, aumentando o desafio da Justiça Eleitoral em coibir ilícitos praticados atrás das telas.
Recentemente, o uso indevido, fraudulento, malicioso e descontextualizado da tecnologia nas campanhas eleitorais se mostrou um obstáculo para eleições hígidas, justas e democráticas. E pior: a cada ano, as ferramentas se tornam mais sofisticadas, dificultando a identificação de autoria ou falsidade, assim como a veracidade do conteúdo, impossibilitando respostas adequadas e prejudicando o controle por parte da sociedade civil e da Justiça eleitoral.
Por essa razão, inegável que o combate à desinformação foi o tema central das eleições de 2022, sobretudo em relação aos ataques a instituições democráticas. A preocupação permanece para o pleito de 2024, com um adendo: a problemática do uso indevido da inteligência artificial (IA).
Nota-se que dispositivos que utilizam IA fazem cada vez mais parte do dia a dia e estão em todos os âmbitos: redação de textos, edição de vídeos e imagens, e também na criação de material próprio, além da manipulação de conteúdo existente.
Os efeitos nocivos do uso indevido da IA em disputas eleitorais já foram vislumbrados em outros países. Por exemplo: em 2023, circulou um vídeo falso do então candidato à presidência da Argentina, Sergio Massa, consumindo drogas. No início do presente ano, um áudio simulando a voz do presidente dos EUA, Joe Biden, orientava os democratas a não votarem nas primárias de New Hampshire. Aliás, durante as eleições de 2022, o Brasil testemunhou o uso de uma deep fake: a voz da jornalista Renata Vasconcelos foi utilizada para divulgação de pesquisa eleitoral com dados falsos.
Assim, é inegável que é cada vez mais difícil diferenciar conteúdos falsos e verídicos. Se antes uma simples mensagem de texto era capaz de induzir eleitores a erro, o que dizer de um vídeo que simula o discurso de pré-candidatos ou candidatos, utilizando sua imagem ou voz?
Assim, a atenção da Justiça Eleitoral para o uso ilícito da Inteligência Artificial é necessária. Essas e outras razões levaram à inclusão de novas regras na Resolução que trata da propaganda eleitoral (n.º 23.610/2019). O uso da inteligência artificial em si não foi vedado, mas certos parâmetros foram estabelecidos e devem ser respeitados para que as propagandas eleitorais estejam regulares.
Uma das regras impostas foi a seguinte: quando a ferramenta é utilizada para criar, omitir, mesclar ou alterar a velocidade ou sobrepor imagens ou sons, o responsável pela propaganda deve informar de forma destacada e explícita que o conteúdo foi fabricado ou manipulado, bem como qual foi a tecnologia utilizada.
Por outro lado, é expressamente proibida a manipulação digital para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake) e para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral.
Também é proibido usar chatbots, avatares e conteúdos sintéticos para simular interlocução com a pessoa candidata ou outra pessoa real, uma vez que criam a falsa imagem de engajamento e diálogos inverídicos. Caso identificado o ilícito, o conteúdo será removido ou indisponibilizado.
Segundo a Resolução, tais hipóteses configuram abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, podendo acarretar a cassação do registro ou do mandato, sem prejuízo de outras medidas cabíveis.
Por isso, o uso das tecnologias nas propagandas eleitorais deve ser feito em estrito respeito à legislação. Infelizmente, a tendência é que sejam constatados diversos conteúdos irregulares que irão demandar uma atuação célere e contundente da Justiça Eleitoral, a fim de preservar a legitimidade do pleito.
De qualquer forma, as eleições de 2024 (e não só no Brasil) servirão como norte para os próximos anos, possibilitando uma análise mais detalhada a respeito da melhor maneira de lidar com o uso indevido da inteligência artificial, aperfeiçoando a legislação e os mecanismos de controle.