Desde o caso paradigmático de Valença do Piauí, o TSE tem adotado a política de “tolerância zero” ao analisar candidaturas fictícias
Embora o método tradicional de campanha ainda tenha força (como o horário eleitoral gratuito e artes gráficas espalhadas pelos Municípios), é inegável o crescente impacto dos conteúdos veiculados nas redes sociais, mesmo fora do período eleitoral.
Não se discute mais a importância da internet para veiculação de propaganda eleitoral e influência no pleito. A questão é que a legislação não acompanha a velocidade das mudanças nesse ecossistema digital. Para além de regras objetivas, como proibição de impulsionamento de propaganda negativa e a obrigação de informar as redes sociais de campanha à Justiça Eleitoral, existem contornos nebulosos de difícil compreensão.
A Resolução n.º 23.610/19, que trata da propaganda eleitoral, traz diversas regras para o uso da internet. Já a Resolução n.º 23.714/22 dispõe sobre o enfrentamento à desinformação que atinja a integridade do processo eleitoral. Além disso, há um arcabouço jurisprudencial com contornos definidos sobre alguns assuntos, como os limites dos atos permitidos durante a pré-campanha.
Contudo, nenhuma normativa vigente no presente momento é capaz de dar conta de um dos principais desafios para as eleições de 2024: a inteligência artificial. Não há limites para a utilização ilícita de tal ferramenta. É possível manipular desde uma foto até um áudio ou vídeo, criando as chamadas deepfakes. A IA é tão sofisticada que é difícil distinguir se o conteúdo veiculado é, de fato, real.
O desafio é ainda maior quando se trata de eleição municipal. São mais de cinco mil Municípios no Brasil. Assim, tanto o conteúdo quanto a fiscalização são pulverizados.
Para tentar reprimir a influência indevida da manipulação do conteúdo, o Tribunal Superior Eleitoral trabalha nas minutas das Resoluções que serão aplicáveis ao próximo pleito. O conteúdo será ajustado após as sugestões trazidas em audiências públicas realizadas em janeiro, mas, da leitura da primeira versão, é nítido o esforço da Justiça Eleitoral para contemplar as constantes mudanças e antecipar os principais perigos à higidez do pleito.
Uma das regras previstas é que, durante a pré-campanha, o conteúdo político-eleitoral deve ser transparente a respeito do uso de tecnologias digitais para criar, substituir, omitir, mesclar, alterar a velocidade ou sobrepor imagens e sons. Ou seja, deve estar clara a utilização da inteligência artificial. Obviamente, tal regra também é aplicável na campanha, devendo ser informado, inclusive, qual tecnologia foi adotada, sob pena de incorrer no crime eleitoral de divulgação de fatos inverídicos, já que é vedado, em qualquer hipótese, utilizar conteúdo fabricado ou manipulado de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados.
A minuta também prevê a responsabilidade dos próprios provedores de aplicação de internet, exigindo que estes adotem e publiquem medidas para impedir ou diminuir a circulação de conteúdo ilícito que atinja a integridade do processo eleitoral, incluindo a garantia de mecanismos eficazes de notificação, acesso a canal de denúncias e ações corretivas e preventivas.
Por outro lado, o TSE celebrou termos de cooperação com as plataformas digitais, a fim de combater a disseminação de informação. Para o presente ano, por exemplo, a Meta comunicou recentemente que está trabalhando na identificação de conteúdos gerados por IA em suas redes sociais. Assim, usuários do Facebook, Instagram e Threads verão alguns conteúdos com o rótulo “gerado por IA”. É possível que outras plataformas façam movimentos semelhantes nos próximos meses.
De qualquer forma, a inteligência artificial em si não é um problema. Pode, inclusive, ser uma ferramenta benéfica para informação do eleitor. É ingenuidade, porém, acreditar que o uso da ferramenta será predominantemente para fins lícitos. O que certamente ocorrerá nas próximas eleições municipais é justamente o oposto. O pleito que se avizinha trará inevitáveis questões complexas a serem debatidas. A aplicação da nova Resolução e o posterior julgamento dos casos concretos pelo Tribunal Superior Eleitoral trarão precedentes mais seguros a respeito do entendimento jurisprudencial e das ferramentas de combate do uso ilícito da inteligência artificial para os próximos anos, tornando mais objetivas as diretrizes a respeito.