O governo federal apagou registros de participação do presidente Jair Bolsonaro em eventos oficiais desde o início do mandato e excluiu junto uma página com um histórico dos ex-presidentes. A justificativa é evitar o desrespeito à legislação eleitoral, mas especialistas apontam prejuízo à transparência das ações da Presidência.
No caso de Bolsonaro, foram suprimidos vídeos, fotos e transcrições de discursos em cerimônias que ocorreram desde janeiro de 2019. Além disso, foi retirado do ar o conteúdo da Biblioteca da Presidência, que reúne informações dos ocupantes do Palácio do Planalto desde a redemocratização.
No site, há um aviso de que a Biblioteca está “inativa temporariamente” devido à “restrição imposta pela legislação eleitoral e pela jurisprudência da Justiça Eleitoral”. A página contava com biografias dos ex-presidentes e registros de suas viagens oficiais, entre outras informações.
Na página da Presidência no Flickr — rede voltada para fotos —, foram apagadas todas as imagens, o que inclui não só retratos de Bolsonaro como também dos ex-presidentes Michel Temer, Dilma Rousseff e Lula. A justificativa apresentada é a mesma do caso da Biblioteca, com o aviso de que a conta ficará desativa “de 2 de julho até o fim do pleito”.
Nos canais oficiais do Youtube, foram excluídos os vídeos de cerimônias oficiais do governo federal. O mesmo ocorreu com as transcrições de discursos de Bolsonaro que antes ficavam no site do Palácio do Planalto.
Além disso, no Facebook, no Instagram e no Twitter as páginas do governo saíram do ar e no lugar entraram “páginas provisórias”.
Interpretação da lei
Nos três meses anteriores ao primeiro turno das eleições, agentes públicos com cargo em disputa não podem autorizar publicidade institucional de seus atos, salvos algumas exceções. A Justiça Eleitoral tem entendido que a manutenção de uma publicidade autorizada anteriormente também fere a regra — o que cria dúvidas, segundo advogados eleitorais, sobre o que pode ou não continuar no ar.
Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, critica a decisão do governo e afirma que essas informações precisam estar disponíveis durante a campanha eleitoral, inclusive para serem avaliadas pelos eleitores.
— Nesse período de três meses tem que ser mais rigoroso, sim, para evitar o uso da máquina. Então que se faça uma comunicação focada no interesse público. Mas o histórico de como o governo vem se comunicando com a população, inclusive seus erros na comunicação, tem que ficar disponível para passar pelo escrutínio público no período eleitoral.
Júlia Rocha, coordenadora do programa de acesso à informação da ONG Artigo 19, também condena o apagão de dados.
— É uma violação absurda ao direito à informação. Isso é óbvio. A lei diz respeito aos três meses anteriores (à eleição), não ao governo inteiro.
A Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência foi procurada para esclarecer o caso, mas não respondeu. Apesar de a legislação não sofrer mudanças significativas ao longo do tempo, a Advocacia Geral da União (AGU) produz a cada pleito uma cartilha com orientações. Neste ano, o documento trouxe a informação que “a permanência de publicidade institucional durante o período vedado é suficiente para que se aplique a multa prevista”.
Na equipe jurídica do PL, partido de Bolsonaro, há o entendimento de que é melhor retirar todos os conteúdos preventivamente.
“Ação sem precedente”
O advogado Paulo Golambiuk, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), aponta que a legislação não está atualizada para os tempos da internet.
— (O presidente seria) cassado por isso? Com certeza, não. Mas a uma multa ele estaria sujeito, independentemente desse conteúdo. Uma foto do presidente no Flickr seria perfeitamente defensável, no meu ponto de vista. Mas, para não correr nenhum risco, o conteúdo é retirado.
Por outro lado, Marcellus Ferreira Pinto, advogado especialista em Direito Eleitoral, acredita que não há precedentes nas esferas de poder público.
— Não há precedentes neste sentido. Tirar do ar não faz o menor sentido. Me parece uma medida exacerbada. O governo se comunica pelas redes, é uma fonte de consulta e de informações.
Ele aponta ainda que não se deve confundir propaganda do governo com propaganda eleitoral.
— A propaganda do governo não se confunde com a propaganda eleitoral do governante. Uma coisa é aparecer no canal as ações que o governo vem fazendo, com a roupagem do governo. Agora, se aparece candidatos, ex-ministros, aí começa a ter uma confusão.
Há ainda uma incoerência: as páginas pessoais do presidente continuam funcionando e divulgando ações do governo. Um exemplo é uma postagem no perfil do presidente no LinkedIn que destaca ações feitas pelo governo no aeroporto de Congonhas, em São Paulo.