A Justiça Eleitoral pode julgar crimes comuns? Quais os casos em que eles serão processados perante a justiça especializada?
Um dos temas mais controversos nos últimos tempos, em matéria de Direito Penal Eleitoral, é a competência da Justiça Eleitoral para julgamentos dos crimes comuns conexos aos crimes eleitorais. Em outras palavras: Quando a Justiça Eleitoral deve julgar crimes previstos na legislação ordinária?
O raciocínio mais popular é de que a Justiça Eleitoral não estaria devidamente instrumentalizada para promover o julgamento de crimes, mas isso é uma falácia. A Justiça Eleitoral é uma das mais bem aparelhadas e céleres, não havendo qualquer motivo para que não consiga lidar com crimes eleitorais e aqueles conexos, ainda mais auxiliada pela Polícia Federal.
Por sua vez, a normativa de competência processual penal não é recente. Entretanto, a partir da Operação Lava Jato, principalmente, restou questionada a competência para julgamento de inúmeros processos envolvendo crimes eleitorais, direta ou indiretamente. A consequência, em algumas oportunidades, foi grave – a nulidade de determinados atos praticados na instrução. Decisão do Supremo Tribunal Federal no Inq. 4435 se tornou paradigmática: “Compete à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos – inteligência dos artigos 109, inciso IV, e 121 da Constituição Federal, 35, inciso II, do Código Eleitoral e 78, inciso IV, do Código de Processo Penal”.
Mas qual era a novidade? A bem da verdade, nenhuma. A mera leitura das constituições de 1934 (artigo 83, alínea H), 1946 (artigo 119, inciso VII), 1967 (artigo 130, inciso VII) e 1969 (artigo 137, inciso VII) permite identificar que o legislador constituinte há quase um século asseverava que à Justiça Eleitoral, caberá o processo e julgamento dos crimes eleitorais e os que lhe são conexos.
O crime eleitoral define a competência, e atrai o julgamento do crime comum.
Foi a Constituição de 1988 que deixou de reproduzir este conteúdo de forma taxativa. Entretanto, no artigo 109, expõe que, em matéria criminal, compete à Justiça Federal processar e julgar os ““os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”. E o Código de Processo Penal, em complementação, estabelece que na determinação da competência por conexão dos crimes, prevalecerá a justiça especial (eleitoral) no concurso com a jurisdição comum.
Inclusive, a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, com o intuito de evitar possíveis nulidades, era no sentido de que “em se verificando que há processo penal, em andamento na Justiça Federal, por crimes eleitorais e crimes comuns conexos, é de se conceder habeas corpus, de ofício, para anulação, a partir da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, e encaminhamento dos autos à Justiça Eleitoral de primeira instância” (CC 7033/SP, Rel Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, 02/10/1996).
Mesmo diante da gravidade das consequências do reconhecimento futuro da incompetência no curso processual (nulidade dos atos praticados), muitas vezes a acusação falhou, ou tentou manipular a competência.
Ocorre que é possível, mesmo no curso do inquérito policial, verificar se há elementos suficientes para processamento do procedimento na Justiça Eleitoral. Segundo o Ministro Gilmar Mendes, não se pode arquivar um inquérito no tocante a eventual crime eleitoral sem qualquer tipo de diligência investigatória, ignorando-se totalmente a possibilidade de fixação da competência da Justiça Eleitoral. Inclusive, para o Ministro, “mesmo operada a prescrição quanto ao crime eleitoral, subsiste a competência da justiça eleitoral”, o que está de acordo também com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.
Portanto, o mais prudente é que a matéria da competência seja analisada ainda na etapa preliminar, o quanto antes. Não há prejuízo em remeter o feito para a Justiça Eleitoral, quando aparentemente competente. Se for o caso de declínio da competência para a justiça comum, as partes terão se manifestado, trazendo segurança jurídica e evitando futuras nulidades. Neste ano haverá eleições e, como sempre, novos conflitos a serem dirimidos. Não há qualquer motivo para acreditar ou supor que a Justiça especializada não estará devidamente preparada para solucioná-los. As regras de competência não mudaram, portanto, o amadurecimento do tema deve contribuir.