A Lei n.º 14.211/21 e o cálculo das “Sobras das Sobras”

A alteração legal mudou os critérios para distribuição de vagas nas eleições proporcionais. O entendimento do STF a respeito pode impactar no resultado da eleição.

Por Maitê Marrez

Nunca foi intuitivo compreender como as vagas das eleições proporcionais são distribuídas. Diferente da disputa aos cargos majoritários (na qual o mais votado vence), o preenchimento das cadeiras em Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados possui diversas regras.

Num primeiro momento, divide-se o número de votos válidos (da eleição como um todo em determinada circunscrição) pelo número de lugares a preencher (dependendo da Câmara Municipal ou da Assembleia Legislativa), para obter o quociente eleitoral. Depois, divide-se o número de votos válidos dados sob a mesma legenda por esse quociente eleitoral, obtendo como resultado o quociente partidário.

É o quociente partidário que determina como serão preenchidos os lugares. Se um partido conseguiu obter o número “4” em tal quociente, são eleitos os 4 candidatos mais votados daquela agremiação, e assim por diante, conforme as maiores médias. Se após esse primeiro cálculo ainda sobrarem vagas (o que ocorre na maioria das vezes), é preciso realizar o cálculo das sobras.

Contudo, a Lei n.º 13.165/2015 passou a estabelecer que, para serem eleitos (tanto no primeiro cálculo quanto nas sobras), os candidatos precisariam atingir, no mínimo, 10% do quociente eleitoral (art. 108 do Código Eleitoral). Tal regra buscou evitar o fenômeno dos “puxadores de votos” ou o “efeito Tiririca”, que ocorre quando um candidato muito bem votado acaba elegendo outros com votação irrisória.

Posteriormente, a Lei n.º 14.211/21 complicou um pouco mais o cenário. Antes, poderiam concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos e coligações que participaram do pleito, conforme art. 109, §2º do Código Eleitoral. Agora, tal normativa estabelece que poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos que tenham obtido pelo menos 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral, e os candidatos que tenham obtido votos em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) desse quociente.

Ainda, os incisos do art. 109 estabelecem as regras para o preenchimento das vagas nas sobras. Primeiro, divide-se o número de votos válidos atribuídos a cada partido pelo número de lugares por ele obtido mais 1 (inciso I). Ou seja, se o partido, no primeiro cálculo, conseguiu 5 vagas, deve-se dividir o número de votos válidos por 6 (5 mais 1), e as vagas são preenchidas pelas maiores médias, desde que a agremiação tenha candidato que atingiu 10% do quociente eleitoral, como já mencionado.

O maior problema surge com a nova redação do inciso III do art. 109, que determina o seguinte: quando não houver mais partidos com candidatos que atendam às duas exigências do inciso I, as cadeiras serão distribuídas aos partidos que apresentarem as maiores médias.

A dúvida é: nessa terceira etapa da distribuição das vagas (as chamadas “sobras das sobras”), aplica-se o disposto no §2º (exigindo-se 80% e 20% do quociente eleitoral para partidos e candidatos, respectivamente)?

A alteração legislativa está sendo questionada pelo Rede Sustentabilidade (ADI 7228) e pelo Podemos e o Partido Socialista Brasileiro – PSB (ADI 7263). O parecer apresentado pela Procuradoria-Geral da República em ambos os processos intensificou a discussão. 

Isso, porque a PGR entendeu que “a interpretação do inciso III do art. 109 do Código Eleitoral” viola a Constituição Federal, já que “negar esse pequeno espaço nas casas legislativas às minorias vai de encontro ao fundamento constitucional do pluripartidarismo”. Em outras palavras, a Procuradoria entende que no cálculo das “sobras das sobras” devem participar todos os partidos e federações, e não apenas aqueles que alcançaram 80% do quociente eleitoral.

Restringir tal acesso às pequenas agremiações, no entendimento da PGR, violaria o pluripartidarismo e reduziria o acesso mais igualitário possível das minorias no processo eletivo. Assim, a Procuradoria opinou pela procedência parcial das ADIs, apenas para conferir interpretação, conforme a Constituição, ao inciso III e ao § 2º do art. 109 da Código Eleitoral, a fim de que, esgotados os partidos políticos e federações partidárias com os 80% do quociente eleitoral e candidatos com votação nominal de 20% desse quociente, as cadeiras eventualmente vagas sejam distribuídas a todos os partidos e federações.

Se o Supremo acatar tal interpretação, alguns podem ser impactados, perdendo a vaga. Assim, há quem defenda uma possível modulação dos efeitos do julgamento, a fim de garantir a segurança jurídica, dada a consolidação do resultado da eleição de 2022.

Enfim, o debate é pertinente e será, certamente, aprofundado nos meses subsequentes.

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