STF decide que rejeição de contas prescrita não gera inelegibilidade

A mudança derruba entendimento do Tribunal Superior Eleitoral de que condenações à restituição do erário já atraíam a sanção de inelegibilidade.

Por Nahomi Helena

Compreender o regime jurídico da inelegibilidade decorrente da rejeição de contas por Tribunais de Contas é crucial para a segurança dos pleitos eleitorais. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão que revisou o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre os efeitos da prescrição da pretensão punitiva nas Cortes de Contas.

A inelegibilidade, prevista no artigo 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar nº 64/1990, pune aqueles que tiverem suas contas relativas a cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade. Historicamente, o reconhecimento do dever de restituir valores ao erário pelas Cortes de Contas é um fator que implica o reconhecimento do dolo no ato ímprobo, conforme a jurisprudência da Corte Eleitoral. Entretanto, em 2024, houve uma mudança de entendimento. 

A controvérsia central surgiu no caso de um prefeito, reeleito, que teve seu registro de candidatura indeferido. O Tribunal de Contas da União (TCU) havia rejeitado suas contas por irregularidades no uso de verbas federais, impondo-lhe multa e a obrigação de recolhimento de R$ 77,7 mil ao erário. O ponto crucial é que o acórdão reconheceu a prescrição da pretensão punitiva.

Apesar disso, o TSE entendeu que no caso incidia a inelegibilidade. Esta decisão, firmada em abril de 2025, representou uma virada na jurisprudência da Corte Eleitoral. 

A posição adotada pelo TSE sustentava que a imputação de débito pelo TCU, mesmo com a prescrição da multa, seria autônoma e suficiente para caracterizar a inelegibilidade da alínea “g”. O TSE baseou seu novo entendimento na inovação legislativa trazida pelo § 4º-A do artigo 1º da LC 64/1990 (incluído pela LC 184/2021), que estabelece que a inelegibilidade não se aplica apenas aos responsáveis que tiveram contas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com multa. Assim, para o TSE, o apontamento do ressarcimento alçou-se a uma condição autônoma para a incidência da inelegibilidade.

O caso chegou ao STF por meio de uma reclamação constitucional (Rcl 75.020), alegando que a posição do TSE violou teses firmadas pelo STF em regime de repercussão geral. O julgamento na 2ª Turma resultou na derrubada do acórdão eleitoral por maioria de votos (votação 4 a 1), concluindo que a rejeição de contas com prescrição da pretensão punitiva não gera inelegibilidade.

O Ministro Edson Fachin, relator da reclamação, votou pelo desprovimento do agravo regimental, sustentando a inadmissibilidade da reclamação. Dentre os pontos suscitados, o relator considerou que os precedentes citados pela defesa tratavam de prescrição “ampla e irrestrita”, o que diferia do caso em questão, pois o TCU havia restringido a prescrição somente à multa, mantendo o débito.

O voto divergente, proferido pelo Ministro André Mendonça (que havia ficado vencido no TSE sobre o tema), foi o voto vencedor, sendo acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Nunes Marques. A posição se baseou em três pilares principais: a superação do óbice processual, a violação das teses de prescritibilidade do STF, e a ocorrência de viragem jurisprudencial.

Inicialmente, observa-se que a divergência superou o óbice processual do não esgotamento das instâncias ordinárias com reivindicação de excepcionalidade. A admissão se justificou pela alegada urgência da situação, que envolvia o direito fundamental à elegibilidade e o risco de esvaziamento do mandato eletivo obtido nas eleições de 2024.

A discordância permaneceu no mérito, entendendo pela violação das teses de repercussão geral sobre prescrição e refutando a ideia de que o § 4º-A da Lei Complementar 64/90 justificaria a virada. Afirmou-se que a inclusão desse parágrafo teve como único escopo afastar a inelegibilidade dos gestores sancionados apenas com multa, não alterando a jurisprudência histórica do TSE de que a prescrição suprime todos os consectários passíveis de consideração no exame da inelegibilidade, mesmo que a imputação de débito meramente ressarcitória seja mantida.

A conclusão mais relevante é que a divergência vitoriosa na 2ª Turma do STF determinou que a Justiça Eleitoral, ao analisar a inelegibilidade da alínea “g”, não pode mais ignorar o reconhecimento da prescrição punitiva pelo Tribunal de Contas, mesmo que o dever de ressarcimento ao erário (débito) seja mantido. A prescritibilidade da pretensão ressarcitória em decisões limita o alcance dos efeitos da rejeição de contas para fins de inelegibilidade, salvo a única exceção de ato doloso de improbidade, que é julgada pela Justiça Comum.

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