Nos últimos anos, ganhou força entre entidades das mais variadas naturezas jurídicas a necessidade da implementação de um programa de integridade, o agora popular compliance.
É unânime que um programa bem planejado e executado, preferencialmente customizado às particularidades de cada entidade, outorga a ela credibilidade perante ao seu público externo e segurança interna aos seus colaboradores.
Mais que isso: hoje, a depender do ramo de atuação e do status autoanunciado por determinada empresa, a existência de um programa de compliance deixou de ser um diferencial para se tornar um requisito à boa imagem das empresas.
Contudo, mesmo em meio a essa onda de busca pela consolidação de uma formação ética e íntegra dentro das empresas, um aspecto a isso tudo relacionado ainda vem sendo maltratado por quase todas aquelas que, por força legal ou estatutária, imprescindem da realização de um processo eleitoral para a escolha de seus mandatários.
É que não só o Estado realiza periodicamente eleições para o preenchimento de cargos eletivos, mas também determinadas pessoas jurídicas de direito privado, como associações, sindicatos, federações, cooperativas e clubes, que não têm, contudo, qualquer função político-partidária.
Nas associações, por exemplo, há a eleição dos administradores na forma estatutária. Já nas cooperativas deverá ser indicado, nos seus respectivos estatutos, o processo de substituição de administradores e conselheiros fiscais, os quais são eleitos em assembleia geral, têm mandato e tomam posse para o exercício das atribuições diretivas destas sociedades.
Pode-se até pensar que o processo de substituição ou de eleição dos dirigentes dessas organizações privadas ou não estatais não deve ser encarado como processo eleitoral, na medida em que eleições dessa natureza não seriam, em tese, eleições políticas.
A leitura exemplificativa da lei das sociedades por ações, entretanto, define como vantagens políticas “o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração”, que pode ser assegurado pelo estatuto social a uma ou mais classes de ações preferenciais.
Pelo senso comum, só haveria “vantagens políticas” em eleições políticas, mas, como se vê, o direito de eleger, que é exercido por meio de processo eleitoral, tem natureza política, ainda quando exercido na esfera das organizações privadas ou não estatais.
Tais considerações justificam inteiramente a acepção do processo eleitoral como processo eleitoral não estatal, que é uma realidade no ordenamento jurídico brasileiro.
O gênero processo eleitoral não estatal abrange, como espécies, o processo eleitoral partidário (partidos políticos) e o processo eleitoral empresarial, associativo, ou fundacional, aplicável ao exercício das atividades realizadas pelas chamadas entidades intermediárias, ou seja, sindicatos, associações, federações, clubes, fundações, etc.
Cada uma dessas modalidades de processos eleitorais não estatais está disciplinada pela legislação especial, ou por normas estatutárias próprias, reunidas nesse microssistema jurídico denominado Direito Processual Eleitoral não Estatal, ou, simplesmente, Direito Processual Eleitoral Privado, isto é, o conjunto de regras disciplinadoras do processo eleitoral no âmbito das entidades privadas ou não estatais.
Um sem-número de processos realizados de modo a inviabilizar a própria concretização do princípio democrático, porém, é o problema que se vislumbra na prática. Vê-se restrições exacerbadas na composição dos registros de candidatura, de modo a evitar o “bate-chapa”, critérios excessivos e subjetivos a limitar o colégio eleitoral e, bem mais grave, a falta de transparência suficiente para garantir a lisura do pleito.
Em razão disso, de vícios formais a materiais, são dezenas de decisões judiciais por ano nulificando os mais variados pleitos privados. Ocorre que a anulação de uma eleição, seja lá por qual motivo, leva o público externo a ter a sensação de que falta integridade e ética no seio daquela entidade.
Hoje, é possível perceber, felizmente, um engajamento das entidades aqui abarcadas no sentido de prover um programa de compliance no âmbito da sua administração, devendo tais organizações também evoluir seu comportamento para garantir a realização de eleições limpas de vícios formais e materiais em sua (mais das vezes) defasada normativa sobre o tema.
Afinal, de nada adianta a aparência de uma gestão íntegra e ética, se tal foi eleita sem o mesmo cuidado e respeito com as regras que regem o Estado Democrático de Direito.
Fonte: https://www.vgplaw.com.br/eleicoes-corporativas-e-compliance/